Desafios e soluções emergem em meio ao controle ineficiente de recursos culturais
BRASÍLIA – O Ministério da Cultura do Brasil acumula aproximadamente 29,7 mil projetos voltados ao fomento cultural, abrangendo desde shows a exposições e peças teatrais, sem que haja análise das prestações de contas referentes a esses investimentos. Essa situação alarmante, descrita como um “apagão” na fiscalização, totaliza R$ 22 bilhões em verbas públicas cuja destinação permanece sem verificação. Este problema crônico foi reconhecido pela ministra Margareth Menezes, que se comprometeu a encontrar soluções efetivas.
Para efeito de comparação, o custo mensal do Programa Bolsa Família gira em torno de R$ 13 bilhões. Diante desse cenário, o ministério divulgou uma nota onde afirmou que os dados apresentados são preliminares e que gestões anteriores teriam ocultado a real extensão do passivo, justificando assim o aumento significativo no volume de contas pendentes. De acordo com a pasta, a estratégia para enfrentar essa situação envolve a otimização de processos internos.
O relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) destaca que a manutenção de um estoque tão elevado de processos ao longo de tantos anos evidencia um problema crônico e complexo na gestão, onde as ações implementadas até agora não têm gerado os resultados esperados. Apesar das iniciativas recentes do ministério para reduzir o volume de processos pendentes, o número de prestações de contas não analisadas cresceu nos últimos quinze anos.
A auditoria também ressaltou o “descumprimento crônico” dos prazos de análise e a falta de mecanismos internos de controle adequados. Embora o ministério tenha apresentado algumas ações à fiscalização, o TCU destacou a ausência de normativos que estabeleçam os tempos máximos para cada etapa do processo de prestação de contas.
Uma das revelações mais preocupantes da auditoria é a maneira amadora como o dinheiro público está sendo controlado. Técnicos do TCU identificaram que o monitoramento dos prazos de prescrição das contas é realizado por meio de uma planilha em Excel, que é alimentada manualmente. Essa ferramenta foi considerada ineficaz pelos auditores, pois não leva em consideração notificações e andamentos que poderiam reiniciar a contagem do prazo. Em outras palavras, o sistema pode indicar que uma dívida caducou, quando, na realidade, o governo ainda teria tempo legal para cobrá-la.
Além disso, durante uma reunião com o TCU, os servidores da área responsável demonstraram não ter clareza sobre a diferença entre prescrição intercorrente e quinquenal, o que sinaliza uma grave falta de capacitação. Assim, os quase 30 mil projetos culturais com prestações de contas pendentes abrangem diversas categorias, incluindo iniciativas financiadas pelas leis Rouanet, Paulo Gustavo e Aldir Blanc, além de acordos de cooperação e transferências diretas.
Entre esses projetos, estima-se que até 1,3 mil já tenham prescrito, o que significa que, mesmo que irregularidades sejam identificadas, não será mais possível ressarcir os valores ao erário, pois as contas serão automaticamente consideradas aprovadas. A previsão é que esses projetos, cujas contas já prescreveram, possam ter recebido até R$ 1,2 bilhão.
Essas análises revelam uma série de fragilidades e um cenário de desgovernança na gestão das prestações de contas, o que leva à conclusão de que o Ministério da Cultura não está contribuindo adequadamente para a responsabilização e recuperação de recursos em casos de irregularidades.
Os projetos pendentes variam em tamanho e importância, desde atividades culturais que custaram milhares de reais até festivais que demandaram milhões em recursos públicos. O ministério, por sua vez, reconheceu que está lidando com um “desafio estrutural” em relação ao volume de processos de prestação de contas. A estratégia adotada envolve um trabalho contínuo de aprimoramento e a reformulação da Secretaria de Gestão e Planejamento da Cultura (SGPTC), considerada um “pilar” na luta contra o passivo existente.
O ministério reafirmou seu compromisso de construir uma estrutura robusta e eficiente, capaz de enfrentar os desafios atuais e futuros da prestação de contas no setor cultural. Em adição, informou que os dados mencionados na reportagem são preliminares e estão sujeitos a alterações pelo TCU.
Para explicar o aumento no estoque em 2025, a pasta atribuiu a alta a uma nova metodologia de contagem. Segundo Margareth Menezes e sua equipe, a contagem realizada em gestões anteriores utilizava uma definição restrita e incompleta do que compondo o passivo de prestação de contas. “Essa mudança metodológica resultou em um cenário que, embora inicialmente pareça indicar um aumento no estoque de processos, reflete, na verdade, um esforço de mapeamento e correção dos números imprecisos utilizados anteriormente,” destacou a SGPTC, que está conduzindo um amplo processo de saneamento de dados para corrigir o que pode ser caracterizado como um apagão administrativo herdado de administrações passadas.
